terça-feira, 8 de novembro de 2011

Um futuro Bissexual? Entrevista Regina Navarro Lins


Polêmica até entre os colegas mais liberais, ela tem mais de dez livros, 15 mil seguidores no Twitter e dezenas de pacientes no consultório. Crítica ferrenha à moral e aos bons costumes, Regina é feminista assumida: condena o pacto de exclusividade presente nos casamentos e o cavalheirismo... pra ler e refletir. 

"A monogamia já era": psicanalista e escritora Regina Navarro Lins prevê que, no futuro, o mundo será bissexual.

De segunda a segunda, a carioca Regina Navarro Lins solta frases polêmicas. “As pessoas não amam umas às outras, mas o fato de estar amando”, “Não posso transar com outro homem só porque estou casada?” e “O cavalheirismo é uma forma de oprimir a mulher disfarçada de gentileza” são algumas das máximas que a psicanalista twitta diariamente. E ela, de fato, acredita em todas. Casada pela terceira vez, com o escritor Flávio Braga, 57 anos, Regina, 62, é exemplo de tudo que prega. “Transo com quem quiser e ele também. Está provado que casamentos abertos são mais felizes”, diz. “Só não pode transformar a relação em confessionário!” 

Feminista convicta, Regina é tão liberal que faz com que mesmo nós, mulheres modernas, nos sintamos antiquadas em nossos anseios mais íntimos. Sonhar com o príncipe encantado, esperar que ele abra a porta do carro e acreditar que a fidelidade existe são, segundo a psicanalista, crenças antiquadas que só nos aprisionam e angustiam. “Sofremos por acreditar no mito do amor romântico. Como se a mulher não existisse sem o homem”, afirma. Essa e outras defesas estarão na próxima publicação de Regina, O livro do amor, publicado pela editora Best Seller e previsto para chegar ao mercado no início de 2012. Enquanto finalizava os últimos capítulos, a escritora conversou com Marie Claire em seu apartamento, em Copacabana, no Rio. E provou por A + B que quem tem menos medo de quebrar paradigmas é muito mais feliz. Pelo menos no amor.

MARIE CLAIRE Você defende o fim do amor romântico. O que exatamente quer dizer com isso?

Regina Navarro Lins Quando falo em amor romântico, não estou falando de mandar flores, mas de um amor idealizado, irreal. Você conhece uma pessoa, idealiza e lhe atribui características que ela não tem. Passa a vida toda querendo mudá-la e, no fim, percebe que é impossível. Para piorar, o amor romântico prega uma grande mentira, que é “quem ama não sente desejo por mais ninguém”. Nessa concepção enganosa de amor, não nos apaixonamos pelo outro, mas pela própria paixão. O objeto não importa, desde que nos sintamos extasiados. É um amor egoísta, que só gera sofrimento, mas que, na minha opinião, vai acabar.

MC Mas não é esse o amor que sempre existiu?

RNL O conceito de amor mudou muito durante a história. E é essa trajetória que comprova minha teoria de que o amor romântico está saindo de cena. A primeira concepção surgiu no século 12, com o amor cortês. Só em 1940 o casamento por amor virou um fenômeno de massa, com os filmes de Hollywood. Depois da Segunda Guerra Mundial, no entanto, os jovens passaram a questionar os valores dos pais e, ainda que sem saber, a preparar o terreno para a revolução sexual que aconteceria depois. Em 1962, surgiu a pílula anticoncepcional, que foi o que realmente mudou tudo. Graças a ela, o sexo se dissociou da procriação e a mulher passou a ser dona da própria vida. Hoje, estamos no meio de uma mudança enorme de mentalidade que começou lá atrás. Por isso, posso dizer, com toda a segurança, que o casamento é só uma construção social, um modelo que reproduzimos sem saber por quê. 

 “Você pode amar uma pessoa e transar com
outra. Isso não é traição, é apenas tesão”
MC A que convenções você se refere? À monogamia, por exemplo?

RNL Claro! Se você acredita que quem ama não transa com mais ninguém mas, de repente, descobre que seu marido ou namorado transou com alguém, você vai se sentir muito sacaneada. Vai querer morrer. Quando, para mim, é muito mais simples: você pode amar profundamente uma pessoa, ter uma ótima vida sexual com ela e eventualmente ter relação com outra pessoa. Isso geraria bem menos sofrimento do que se imagina.

MC Você é contra o casamento?

RNL Não! Sou contra o pacto de exclusividade. Um casamento pode ser ótimo! Estou casada há 11 anos com o Flávio e é muito bom. Nos meus casamentos anteriores, embora eu sempre tenha me sentido livre, havia uma exigência de fidelidade implícita, que me tolhia e tolhia o outro também. Por isso, acho que hoje eu e o Flávio somos muito mais bem resolvidos. É evidente que não vamos contar nada um para o outro, porque casamento não é confessionário. A minha sexualidade é minha, não dele. O problema dos casamentos normais é que, cedo ou tarde, eles deixam as pessoas infelizes. Sabe qual o percentual de pessoas que se declaram desencantadas com o casamento? 80%! Só de 3% a 5% são realmente felizes. O resto oscila. Ou seja, não é à toa que a monogamia já era.

MC Como começou essa exigência de exclusividade sexual?

RNL Até 5 mil anos atrás, os homens não sabiam que tinham participação na geração de uma criança. Para eles, a fertilidade era exclusivamente feminina. Durante milênios, a ideia de casal foi desconhecida. Viviam todos juntos. Quando os homens abandonaram a caça e domesticaram os animais, perceberam que, se as ovelhas se separassem dos carneiros, não geravam cordeiros; porém, após o carneiro cobrir a ovelha, nasciam filhotes. A contribuição do macho para a procriação foi, enfim, descoberta. E ela coincidiu com o surgimento da propriedade privada. O homem passou a dizer “minha terra”, “meu rebanho” e aprisionou a mulher para não correr o risco de deixar a sua herança para o filho de outro, caso ela pulasse cerca. Esse é o início da exigência de exclusividade sexual, mas era válido só para as mulheres. Isso foi quebrado séculos depois, com a pílula. A mulher passou a decidir quando ter ou não filho e a se lançar no mercado de trabalho. Hoje, vivemos o fim desse desmoronamento. Ainda pode durar mais 100 anos, mas está no fim. 

Mas fica a perguntinha... uma relação fechada te dá garantias de que nunca seremos abandonados?
Por Mayra Stachuk e Marina Caruso. Foto Chris von Ameln

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