É preciso ter um motivo para tocar o dedão do pé no taco frio da segunda-feira, bradar um “Levante-te Lázaro” e não dar cabimento à ressaca.
Só conheço um motivo capaz de tal milagre: a inadiável loucura carnal por uma mulher. Isso no meu caso. Você dirá, jovem gazela, lânguidos lábios de crepúsculo, “por um homem”.
É preciso ter um motivo, um ensaio de amor, uma mentira amorosa, no mínimo, para pular da cama. O trabalho, a rotina, essa indesejada média com pão na chapa, são apenas desculpas.
Para que cerimônias se todo amor é, a princípio, uma invenção, uma ficção barata de Cassandra Rios ou J.M. Simmel?
Mesmo que você já sofra, amigo, de um certo donjuanismo diagnosticado, é preciso saber que a cura está no seu próprio veneno, ou seja, na arte de inventar mais uma presa.
À guisa da autoajuda mais ordinária, vos digo: inventai um alvo para o desejo, uma ficçãozinha para cada dia da semana, aquela gostosa do telemarketing, o subeditor das notícias do estrangeiro, a moça de vestido verde que passei antes da chuva nos arredores da Paulista, a dama tatuada do cachorrinho da Augusta, o bofe do almoxarifado…
Isso, claro, se você, Lola, não estiver completamente caída por aquele chefe canalha casado. Como é lindo o amor de foca, o amor das estagiárias, o lindo e inocente amor, como deve ser o amor em qualquer etapa da carreira.
Ah, vou quebrar a cara, diria você ai, sonsa e cética. Ora, quebra-se em quaisquer circunstância. Não há outra possibilidade na existência. Viver é Sísifo, sifu etc, me sopra aqui o velho Albert.
Agora uma palhinha tipo Leminski para amaciar, pero no mucho, a segunda: não há saídas, só ruas e avenidas.
Um motivo, baby, vai construindo uma historinha logo no ônibus, no metrô, sabe aquela cara que olha com feições de tarado no elevador? Sabe o moço tímido que ainda mora com a mãe? Sabe o que sempre almoça contigo, é bom amigo e enxerga lágrimas escondidas atrás do teu ray-ban?
Só não vale o chato que fala como se a firma fosse de todos: “Porque nosso lucro líquido este mês…” Que mané nosso, meu rapaz, se oriente.
Só sei que é preciso ter um motivo amoroso ou sexual para acordar para a vida. Só Eros salva.
Quem tem um(a) amante no trabalho sabe do que estou falando: ama a segunda-feira e, muitas vezes, roga pragas, maldiz um feriado qual um taxista, “coisa para folgazão e vagabundo”, esculhamba.
É preciso criar uma ilusão amorosa como um deus diário, nem que seja apenas para tirar o enjôo do mal-estar no mundo.
Uma ilusãozinha que seja. Mesmo por aquela cachorra bêbada e chapada, como na música do mundo livre s/a. Mesmo por aquele conquistador barato que diz isso para todas.
Nada como uma ilusãozinha de segunda. Nem precisa obrigatoriamente voltar com ela hoje à noite para casa.
Fonte: Folha de São Paulo 04/03/2013
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